No último domingo de setembro, 29, Curitiba sediou a “Marcha da Maconha”, manifestação que reuniu milhares de pessoas, atraiu políticos, lideranças comunitárias, empreendedores e, especialmente, famílias. Uma série de pautas foram destacadas a partir da mensagem principal do evento: “Não é só pela maconha”.
Houve ainda outras preocupações relacionadas às nossas desigualdades sociais e à violência sistêmica gerada pela política de drogas no Brasil, sem deixarmos de lado a juventude negra, a mais penalizada pela repressão.
Nos chamou a atenção o forte aparato policial que cercou a manifestação. Havia um grande número de agentes, talvez até maior do que o necessário para uma manifestação amigável, pacífica, familiar e festiva. A presença das forças de segurança parece estar relacionada ao preconceito, ao desconhecimento e às
informações equivocadas sobre a cannabis e a maconha que ainda permeiam a nossa sociedade. A polícia acaba agindo sempre com desconfiança e um certo despreparo.
Defendemos uma planta e os seus benefícios socioeconômicos, medicinais e terapêuticos
É sempre importante esclarecer que defendemos uma planta, a cannabis, e os seus benefícios socioeconômicos. O produto dessa planta é um remédio. As manifestações ao ar livre, ocupando os espaços urbanos, são fundamentais para enfatizarmos que a mesma planta que produz a maconha vem sendo utilizada com sucesso no tratamento de uma série de doenças: epilepsia refratária, dor crônica, Alzheimer, ansiedade, Parkinson, transtorno do espectro do autismo, entre outras.
O paciente pode usar óleos, pomadas, extratos ou medicamentos (alguns já disponíveis em farmácias e associações de pacientes) feitos a partir de substâncias presentes na maconha, como o THC (tetraidrocanabinol), que até possui efeitos psicoativos, mas vem sendo estudado na medicina há bastante tempo. Serve para amenizar diversas doenças como a espasticidade em casos de esclerose múltipla, nos efeitos dos tratamentos de câncer, dores e outras patologias.null
A fibra do cânhamo, parte não psicoativa da planta de cannabis – que chegou ao Brasil com as caravelas portuguesas, no começo do século 16 –, tem sido usada há 2 anos ao redor do mundo para fazer cordas, isolamentos, bioplásticos e outros materiais industriais por causa de sua força e rápido crescimento.
O Paraná tem projeto pioneiro no tratamento de redução de danos para o tratamento de dependência química com cannabis
Como a principal entidade do Brasil que representa os mais diferentes segmentos ligados à cannabis, a Federação Canábica (Fecan) divulgou durante a “Marcha da Maconha” a sua proposta de “Redução de Danos”, visando reconhecer o usuário de maconha como um ser humano com direito a saúde e assistência social.null
O que se pretende é criar um programa de tratamento de recuperação de adicção, ou seja um vício que, normalmente, está associado ao consumo abusivo de álcool e drogas pesadas, justamente com o uso de produtos à base de cannabis, ricos em canabidiol – CBD (a substância química da planta), a fim de promover adesintoxicação de dependentes químicos, reduzir os danos e fornecer suporte e assistência para os participantes. Em diversos países programas de recuperação com medicamentos à base de cannabis têm proporcionado uma esperança renovada para dependentes químicos.
Nosso estado é pioneiro e está à frente em diversas iniciativas
Pouca gente sabe, mas o Paraná é pioneiro em projetos com futuros ganhos sociais e econômicos relevantes. Um remédio para esclerose múltipla acaba de ser aprovado no estado e é o primeiro à base de canabidiol (CBD) a ser fornecido pelo Governo do Paraná. Desde o início de setembro pacientes com a doença autoimune, que afeta o sistema nervoso central, podem fazer a solicitação ao estado.
O medicamento de (THC) associado a canabidiol (CBD) se chama Mevatyl e, conforme a Secretaria de Estado de Saúde do Paraná (Sesa), é usado no tratamento de pacientes com espasticidade moderada a grave causada pela esclerose múltipla.
Por enquanto, o remédio é direcionado a poucas enfermidades e não beneficia de forma ampla os doentes que poderiam ser tratados. Ainda que restrita, é uma vitória que contou com a nossa participação por meio da Fecan. Temos de continuar avançando todos os dias. Já estamos na vanguarda no Paraná e queremos liderar o cultivo, a comercialização e até mesmo a exportação no futuro. Somente o cultivo em território brasileiro possibilitará o acesso de toda a população, em especial das famílias de baixa renda, sem isso estaremos dependentes da importação e das altas cargas tributárias.
Outro projeto importante foi aprovado em agosto, na Câmara Municipal de Mandaguari, com o apoio e participação da Fecan, município que já era conhecido por ter sido o primeiro do Sul do país a liberar a distribuição da Cannabis medicinal pelo SUS.
Agora a cidade aprovou a carteirinha a pacientes em tratamento, com projeto de autoria do vereador Chiquinho (PP/PR), um dos grandes incentivadores da democratização e do uso seguro do medicamento. A cidade entendeu que a cannabis eleva a qualidade de vida de muitos pacientes, com o alívio de sintomas importantes.
Em São Paulo, desde junho, remédios à base de canabidiol vegetal, derivado da planta maconha, começaram a ser distribuídos no Sistema Único de Saúde (SUS).
Há ainda um projeto de lei que poderia regulamentar o mercado e legalizar o cultivo, o PL 399, de 2015, que está parado no Congresso Nacional há quase dez anos. Por isso, o ativismo e a mobilização social são fundamentais. É preciso ter visão estratégica para esclarecer e derrubar preconceitos no sociedade
Queremos que o Brasil aproveite essa oportunidade de mercado para desenvolver um segmento que pode trazer inúmeros benefícios de crescimento para o nosso estado.
Temos potencial não só para sermos uma região produtora como também para atrairmos negócios em inovação, tecnologia, turismo e saúde, oferecendo produtos com custos mais reduzidos. Isso pode trazer retorno social significativo.
Mas, antes, é preciso avançar e derrubar preconceitos. No final de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o uso de até 40 gramas de maconha para consumo pessoal. O porte deve ser caracterizado como ilícito de natureza administrativa, sem consequências penais. Com isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prepara para novembro um mutirão para verificar prisões decretadas pela
Justiça e que ferem o entendimento fixado pelo STF.
Mesmo assim, a polícia militar do Paraná ainda observa os defensores da cannabis com certa desconfiança. Para que o estado explore todo o seu potencial é necessário desenvolver campanhas de educação para os mais diversos setores da sociedade. Especialmente para as forças de segurança.
Raoni Murillo Molin é engenheiro, foi um dos fundadores da primeira associação de pacientes da Cannabis Medicinal no Paraná, e é presidente da Federação Canábica – FECAN